sábado, janeiro 15, 2011

A faísca no palheiro

A história que o semanário Sol conta, na sua edição de hoje, impressionou-me. Não só pela violência do destino de Mohamed Bouazizi, mas pelo facto de, enquanto historiador, ou amante da História, estar pouco inclinado para sobrevalorizar os protagonismos pessoais nos desenvolvimentos históricos de ruptura, revolucionários, como os que estão a ocorrer na Tunísia. E por mais uma razão: o facto de me lembrar Portugal, e de que o  que aconteceu na Tunísia poder estar para acontecer neste nosso país.
Basta a faísca no palheiro...
Ora leiam:
Tunísia: O desempregado que derrubou um ditador
 O doloroso suicídio de um jovem no desemprego conduziu à queda do homem que, com punho de ferro, dirigia a Tunísia há 23 anos. Mohamed Bouazizi é o mártir de uma revolução inédita no Norte de África.
Mohamed Bouazizi teria pouco mais de 20 anos e era um apaixonado pelas Ciências Informáticas (ao contrário do que foi inicialmente avançado, a imprensa francófona não garante que o jovem se tenha licenciado na área). Sonhava com uma carreira no mundo das novas tecnologias. Só não contava com a pena actualmente imposta a cerca de 60% dos diplomados tunisinos.
Num país onde o ditador Ben Ali e a sua família ainda controlam a economia após uma vaga pouco transparente de privatizações, o trabalho está reservado àqueles que têm sorte ou aos que gozam de relações privilegiadas com a diminuta e poderosa elite de Tunes. Na Tunísia, como em outros tantos países, não são as qualificações ou o mérito que determinam o sucesso. É antes o nome, o casamento ou a filiação partidária.
No desemprego, Bouazizi viu-se forçado a vender frutas e legumes nas ruas da sua cidade natal do centro-oeste, Sidi Bouzid, para alimentar a família. Mas não tinha a necessária licença de comércio, difícil de obter no labirinto da burocracia e corrupção tunisina. A 17 de Dezembro de 2010, a polícia confiscou-lhe a banca e a balança. Segundo testemunhos locais, terá sido agredido e humilhado pelas autoridades.
Nessa mesma sexta-feira, Bouazizi deslocou-se à autarquia de Sidi Bouzid para tentar regularizar a situação. Não conseguiu. Com o dinheiro que restava, comprou um litro de gasolina. Despejou o combustível sobre a cabeça e imolou-se pelo fogo.
Com ele, incendiou a revolta dos tunisinos. A notícia do radical protesto foi inicialmente censurada pela imprensa estatal, mas a história espalhou-se pelas redes sociais da Internet, como o Facebook, o Twitter e o YouTube. Milhares de jovens desempregados começaram a sair às ruas. Vários licenciados sem trabalho, como Houcine Néji, de 24 anos, seguiram o exemplo de Bouazizi e cometeram suicídio pelo fogo ou subindo a postes de alta tensão.
Apesar dos ferimentos graves, Bouazizi não morreu de imediato. Foi transferido para unidade de queimados do hospital de Ben Arous, nos arredores da capital tunisina Tunes. Quando o regime pensava ainda poder conter a vaga de contestação, o Presidente foi visitá-lo. Desejou-lhe as melhoras e prometeu prestar-lhe todo o auxílio possível.
Mas Ben Ali e Mohamed Bouazizi eram dois homens condenados que se olhavam mutuamente. O jovem de 23 anos morreu a 4 de Janeiro. Milhares compareceram no funeral, no dia seguinte. «Hoje choramos a tua morte, amanhã vamos fazer chorar quem te matou», era um dos slogans na cerimónia transformada em comício.
Não se sabe se Bouazizi ter-se-á apercebido da revolta que despoletara. O que é certo é que não assistiu à sua conclusão. Ao fim de quase um mês de violentos protestos que vitimaram perto de uma centena de pessoas (pouco mais de 20, segundo o regime), o Presidente Ben Ali dissolveu sexta-feira o Parlamento e fugiu do país. Segundo as últimas informações, o ditador deposto encontra-se na Arábia Saudita. A Tunísia, pela primeira vez após séculos de colonialismo e décadas de autoritarismo, encontra-se entregue aos cidadãos.

2 comentários:

Tânia Mealha disse...

Penso o mesmo que tu, e há uns dias escrevi uma curta frase no facebook para exprimir a mesma ideia.
Um dos meus amigos fez um comentário a dizer que "não me parece que seja comparável", respondi que não comparo os regimes dos países, apenas que esta resposta pode ter lugar em qualquer regime e isso é o mais importante.
Os outros até podem tentar calar-nos, o pior é quando nos calamos a nós próprios. O exemplo turco é que não devemos resignarmos, esse não é o caminho, independentemente do receio do desconhecido e do porvir.
Se estamos mal devemos mudar, o porvir apenas depende de cada um de nós.

Anónimo disse...

Não quero ser má-língua mas parece que a atitude do presidente da Tunísia faz lembrar os políticos da nossa nação. Será que estou enganado ?
Causam a pobreza e depois é ver as romarias aos bairros problemáticos e com medidas de algibeira a dizer que vão melhorar a situação.
Políticos e hipocrisia, não consigo ver a diferença.
Ou será que somos nós que ainda não tiramos os entrolhos