Embora com algum atraso em relação ao evento que retrata, a Feira de Silves (aqui em retrato sépia com saudoso aroma de outros tempos), quero convosco compartilhar o primeiro capítulo do bonito, e também histórico, texto que o amigo Zé Baeta escreveu e eu pedi autorização para postar. Talvez seja o início de uma nova rubrica, quem sabe, virada para uma Silves que já era, mas muito nos pode dizer do que ainda somos. Espero que gostem e, alguns, se relembrem...Pois aqui fica. E obrigado Zé!
Feira de Silves, óleo sobre cartão de Samora Barros (reprodução parcial), s/d
Coisas da Feira
Para quem não sabe, está a decorrer a “Feira de Silves”. Trata-se da feira anual, a da venda dos produtos agrícolas, dos frutos secos, dos peros de Monchique, dos colares de “boletras”, da castanha assada e do polvo assado também; das alfaias agrícolas e dos instrumentos domésticos, dos brinquedos de madeira e de lata, dos gados, das barracas de comes e bebes, e dos divertimentos.
Para a malta nova, era sobretudo dos divertimentos, para além de todas estas coisas que nos ficam na memória dos cheiros.
Os primeiros divertimentos a chegar eram as barracas dos “bonecos”, nomeadamente a do ”Vasquinho”. Eu explico: os “bonecos” são os comummente conhecidos por “matraquilhos”; já agora também explico quem era o “Vasquinho”, era um encarregado de fazer trocos, de desencravar o mecanismo de saída das bolas e retirar as moedas falsas, e de apalpar os instrumentos que se encontram entre as virilhas dos moços. Alguns que se deixavam apalpar mais abundantemente, teriam jogadas de borla...
Durante todo o ano, só havia cá na terra uma mesa de “jogar aos bonecos”, que era na “Casa da Mocidade” (no Sindicato dos Corticeiros, só havia ping-pong), de modo que nesta época era um “tirar a barriga de misérias”.
Depois começavam a chegar os carrosséis, as pistas de automóveis e de aviões, o “comboio fantasma” e os circos. O Circo Alegria e o Circo Royal. Dos carrosséis, também havia um “Alegria”, do outro já falo mais à frente.
Quem tinha pais mais abonados ou a quem dar uns “pontapés na gaveta” (eu ia sempre ajudar as minhas tias na mercearia e na “casa de pasto” e levar um objecto de loiça à “Madrinha D. Aurora"), tendo alguma ousadia e acertando no par certo, poderia convidar alguma ou algumas moças para andar nos carrinhos de choque, nos aviões ou no combóio fantasma. Eram das poucas oportunidades que tínhamos, para além dos bailes, de lhes encostar as pernas (empernar) e passar a mão por cima dos ombros, sem ter que entrar naquela de “pedir namoro”. Os outros, menos abonados limitavam-se a uns jogos de “bonecos” e a umas voltas de carrossel, saltando em corrida quando chegava o cobrador...
Consoante o dia da semana a que calhava o feriado de 1 de Novembro, assim a feira começava mais cedo ou acabava mais tarde.
Era um acontecimento anual tão importante, mesmo para os afastados da terra, especialmente dos que emigraram para a margem sul do Tejo ou mesmo para Lisboa, que era mais comum virem “à Terra” pela Feira do que pelo Natal.
Era também muito importante para o “Professor Verdasca”, o Delegado Escolar, que se encarregava dos “atrasados” de todas as classes, ao ponto de ter desde o início do ano a mesma frase escrita no quadro, para a malta soletrar: ”A-fei-ra-es-tá-a-che-gar”.
Passada a Feira, mudava a frase mas a malta continuava a soletrá-la. Então ele exaltava-se: “A Feira já passou, seus burros, agora a frase já é outra!”.
Esta era a Feira da “Cerca da Feira”, onde também se realizava a feira mensal, designada por “mercado”, à terceira 2ª feira de cada mês e onde se “jogava à bola”, nos “furos” do horário ou quando algum professor faltava (isto muito antes de haver aulas de substituição...).
A “Cerca da Feira”, que ainda hoje assim se chama, já é, há muitos anos, um bairro habitacional. Daí, a Feira passou a realizar-se à entrada da cidade, entre o antigo espaço do “Moinho da Porta” (hoje bela entrada da cidade – Largo Al Muthamid” – (se não se escreve assim o meu irmão depois corrige-me) e o Largo do “Poço da Câmara”. Depois passou para a Beira-Rio; agora, este ano, para a parte de trás do cemitério...
Ainda não fui à Feira (hei-de ir hoje lá para o fim da tarde) mas pelos comentários que tenho ouvido, parece-me que agora é que ela “morreu”... (Até a moçada em vez de ir à Feira, anda por aí a brincar ao “dia das bruxas”...).
Ainda só ouvi um comentário entusiástico, mas que remonta à saudade, a uma saudade muito remota. O meu irmão Toy já me telefonou outro dia, estava eu ainda de fim de semana no Miratejo, a comunicar-me que o “Carrossel Oito” tinha voltado; mais ainda, que o dono do “Carrossel Oito” é, agora, o filho do Zé Martins, antigo artista do “Poço da Morte” em “bicicleta a pedal”... Mas esta contará ele certamente no seu Blog.
Para quem não sabe, está a decorrer a “Feira de Silves”. Trata-se da feira anual, a da venda dos produtos agrícolas, dos frutos secos, dos peros de Monchique, dos colares de “boletras”, da castanha assada e do polvo assado também; das alfaias agrícolas e dos instrumentos domésticos, dos brinquedos de madeira e de lata, dos gados, das barracas de comes e bebes, e dos divertimentos.
Para a malta nova, era sobretudo dos divertimentos, para além de todas estas coisas que nos ficam na memória dos cheiros.
Os primeiros divertimentos a chegar eram as barracas dos “bonecos”, nomeadamente a do ”Vasquinho”. Eu explico: os “bonecos” são os comummente conhecidos por “matraquilhos”; já agora também explico quem era o “Vasquinho”, era um encarregado de fazer trocos, de desencravar o mecanismo de saída das bolas e retirar as moedas falsas, e de apalpar os instrumentos que se encontram entre as virilhas dos moços. Alguns que se deixavam apalpar mais abundantemente, teriam jogadas de borla...
Durante todo o ano, só havia cá na terra uma mesa de “jogar aos bonecos”, que era na “Casa da Mocidade” (no Sindicato dos Corticeiros, só havia ping-pong), de modo que nesta época era um “tirar a barriga de misérias”.
Depois começavam a chegar os carrosséis, as pistas de automóveis e de aviões, o “comboio fantasma” e os circos. O Circo Alegria e o Circo Royal. Dos carrosséis, também havia um “Alegria”, do outro já falo mais à frente.
Quem tinha pais mais abonados ou a quem dar uns “pontapés na gaveta” (eu ia sempre ajudar as minhas tias na mercearia e na “casa de pasto” e levar um objecto de loiça à “Madrinha D. Aurora"), tendo alguma ousadia e acertando no par certo, poderia convidar alguma ou algumas moças para andar nos carrinhos de choque, nos aviões ou no combóio fantasma. Eram das poucas oportunidades que tínhamos, para além dos bailes, de lhes encostar as pernas (empernar) e passar a mão por cima dos ombros, sem ter que entrar naquela de “pedir namoro”. Os outros, menos abonados limitavam-se a uns jogos de “bonecos” e a umas voltas de carrossel, saltando em corrida quando chegava o cobrador...
Consoante o dia da semana a que calhava o feriado de 1 de Novembro, assim a feira começava mais cedo ou acabava mais tarde.
Era um acontecimento anual tão importante, mesmo para os afastados da terra, especialmente dos que emigraram para a margem sul do Tejo ou mesmo para Lisboa, que era mais comum virem “à Terra” pela Feira do que pelo Natal.
Era também muito importante para o “Professor Verdasca”, o Delegado Escolar, que se encarregava dos “atrasados” de todas as classes, ao ponto de ter desde o início do ano a mesma frase escrita no quadro, para a malta soletrar: ”A-fei-ra-es-tá-a-che-gar”.
Passada a Feira, mudava a frase mas a malta continuava a soletrá-la. Então ele exaltava-se: “A Feira já passou, seus burros, agora a frase já é outra!”.
Esta era a Feira da “Cerca da Feira”, onde também se realizava a feira mensal, designada por “mercado”, à terceira 2ª feira de cada mês e onde se “jogava à bola”, nos “furos” do horário ou quando algum professor faltava (isto muito antes de haver aulas de substituição...).
A “Cerca da Feira”, que ainda hoje assim se chama, já é, há muitos anos, um bairro habitacional. Daí, a Feira passou a realizar-se à entrada da cidade, entre o antigo espaço do “Moinho da Porta” (hoje bela entrada da cidade – Largo Al Muthamid” – (se não se escreve assim o meu irmão depois corrige-me) e o Largo do “Poço da Câmara”. Depois passou para a Beira-Rio; agora, este ano, para a parte de trás do cemitério...
Ainda não fui à Feira (hei-de ir hoje lá para o fim da tarde) mas pelos comentários que tenho ouvido, parece-me que agora é que ela “morreu”... (Até a moçada em vez de ir à Feira, anda por aí a brincar ao “dia das bruxas”...).
Ainda só ouvi um comentário entusiástico, mas que remonta à saudade, a uma saudade muito remota. O meu irmão Toy já me telefonou outro dia, estava eu ainda de fim de semana no Miratejo, a comunicar-me que o “Carrossel Oito” tinha voltado; mais ainda, que o dono do “Carrossel Oito” é, agora, o filho do Zé Martins, antigo artista do “Poço da Morte” em “bicicleta a pedal”... Mas esta contará ele certamente no seu Blog.
Agora, que já despejei o que me andava a rabiar cá por dentro, desde que fui esta manhã à Praça e a senhora que me vendeu as vagens me disse: “ai menino, a feira já não é o que era...”, vou abrir os berbigões e regalar-me com eles, com um verde branco “Via Latina”, antes que não os haja na feira, para acompanhar um “Verde à Pressão”, “Ypiranga”...
Este Flash é para todos a quem tenho mandado “Flashes” e muito em especial para a Sofia, que ontem me “mailou” com saudades da feira...
Ah! Querem saber quem é a Sofia... Eu explico, ela não se importa: a Sofia “empernava” com o meu irmão Fernando.
Zé Baeta
1/11/06
6 comentários:
Embora o "flash" não me tivesse sido directamente dirigido, a verdade é que foi tornado público, com um convite aberto ao "desabafo", que neste caso é um saudoso comentário:
Primeiro, quero dar os parabéns ao autor, o "Zé Baeta", pelas belas recordações que nos traz, embora as moças desses tempos, como eu, não tenham partilhado precisamente das mesmas emoções, porque, nessa época, fazia a sua diferença ser rapaz ou rapariga. Passei por todos esses sítios onde a nossa Feira, a Feira de Silves, se realizou. Mas tenho um conhecimento anterior a mim, contado pelo meu pai, e é desse que quero falar em segundo lugar. Infelizmente ele já não é vivo mas, se o fosse, teria agora 97 anos. É em memória dele, que adorava viver, e que, quando era moço, adorava também a Feira, que vou contar o que ele me contou dela: nesse tempo, realizava-se no Largo da Ermida (Largo dos Mártires da Pátria), e havia quem lhe chamasse a "Feira do Pau Roxo", que era uma variedade de cenoura da época, muito doce e apreciada, que lá se vendia, como se vendiam os legumes e frutos secos, as batatas, os cereais, que as pessoas compravam "para o ano"; isto quer dizer que, não havendo todos os lugares que hoje existem, onde é fácil adquirir estas coisas, esperavam pela Feira para obterem aquilo que, muitas vezes, só na feira seguinte voltavam a comprar. Mas isto também tinha outra explicação: era quando havia dinheiro, porque as rendas das propriedades eram pagas anualmente, pela Feira; os "quinteiros" eram pagos anualmente, pela Feira; muitos trabalhadores (os do campo, claro!), eram pagos pela Feira! Havia uma dívida, prometia-se pagar pela Feira! Tal era a importância que ela tinha! Também "pela Feira" se comprava a "fazenda" para mandar fazer os fatos, os brincos de ouro para as filhas ou afilhadas, "as pessoas do campo" vinham à cidade "à Feira", aproveitando os homens para vestir os fatos e as mulheres para "pôr o cordão" de ouro, com que depois se fotografavam, aproveitando a oportunidade! Já mais recentemente, o meu pai levava-nos ao circo, que muito apreciava, adorava os palhaços e os malabaristas, os chamados "homens do trapézio", e ainda mais se entusiasmava quando lá subiam mulheres! À saída íamos "às filhós", que eram comidas com café bem quentinho, acabado de fazer, em casa, e íamos também ao "torrão de Alicante", do verdadeiro, não esta pasta que agora se vende, e ele muito gostava de comprar a uma espanhola alta, "uma bela mulher", como ele dizia, e que ficava mesmo junto do arco, do lado direito, quando se saía da "Cerca da Feira" para o Jardim. Belos e saudosos tempos!
Gostei da "adenda" que traz mais estórias, ainda, para a história da Feira!
Obrigado.
P.S.- Só uma pequenina correcção que frequentemente faço, tal é a vulgaridade com que se instituiu a designação: Largo de Nª Senhora dos Mártires (a ermida) e não Largo dos Mártires da Pátria (porque isso, com sabe, é outra coisa!).
e viva a feira de são Martinho em Portimão
srº vereador ao ler este comentário seu e ver a hora percebi que está atento gostei ler esta história de como era a feira pois não sabia. Parabens ao srº ou srª anónima e obrigada são estes comentários que nos enriquecem um pouco. SRº vereador ao visitar o seu blog percebi que tinha apagado um comentáro, mas não foi por ser anónimo e por isso tambem o felicito. Um abraço e parabens.
Srº 2º anónimo,
Viva porque a nossa esta a morrer, e segundo parece muita gente já tinha dito que depois do aumento das taxas em + ou - 2001 e a falta de condições deixava de haver feira.
Eu ouvi e não tenho e a memória curta, peço imensa desculpa.
E viva a Feira de são Martinho, Porque sou papa feiras. De Vila RSA, faro, castro verde, vão melhorando a de Silves vai decaindo. Só temos o que merecemos.
Do 1º anónimo
É verdade que aqui tudo vai acabando e fechando, obras houve que nem chegaram a abrir, foram só "engodo para cidadão votar", mas desculpem-me se os desiludo: também não gostei da Feira de S. Martinho, embora tenha que confessar que foi melhor do que a de Todos-os-Santos. E não gostei pelo tipo de exposição, por ser feira de tapete vermelho, por estar a perder as características da feira tradicional, etc. Claro que o feirante tem melhores condições, o visitante também, sei tudo isso. Mas a tradição acabou!
E será verdade que não merecemos mais de que temos? Não podemos fazer nada para alterar este estado de coisas?
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